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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Morte

A morte é um exagero. Vi isso nestas mensagens de youtube geralmente atribuídas ao Pedro Bial. Texto bom, música a caráter. Piada sem graça, a cessão de uma vida. A linha do texto era essa: você estuda coisas que não vai usar, escolhe uma profissão em meio a tantas outras, toma decisões durante a vida toda... e, quando a vida está a ser desfrutada, ela acaba. Simplesmente acaba. Não vem com explicação, não vem com hora marcada, não espera que se resolva pendências.

Imagine aquele amigo que tomou uma cerveja gelada contigo no dia de ontem, com quem compartilhava sonhos (ele que queria casar com a garota mais bonita da rua e ter um piá pra soltar pipa!), com quem as coisas mais irresponsáveis pudessem ter co-autoria, com quem jogar papo fora de domingo sempre foi algo bom. Daí você liga pra ver qual parte do mundo vocês vão conquistar naquela noite, e do outro lado ninguém atende. Nunca mais. Não adianta ligar de novo.

Imagine o irmão que te atura desde pequeno, com quem teve brigas homéricas e os maiores momentos de afeto na vida. Vocês são iguais, mais do que imaginam. Aquela volta pra casa conjunta da escola, e da outra, e da outra. A primeira namorada de um, a primeira briga de outro. O cafuné que sempre surge nos momentos ruins. A certeza de que aquela pessoa estará ali quando precisar, sempre. Mas um dia, você liga pra saber do sobrinho, do tempo, do time de futebol, ou qualquer outra coisa que te faça ouvir a voz que guarda de cor. Mas ninguém atende. Não adianta, mais uma vez, e mais uma, ligar novamente. A voz se fora.

Lembre daquele sujeito meio simples, que trabalha com você e adora um café no meio do expediente. Ele te levou na sexta para as tarefas que tinha que fazer, contando causos durante todo o trajeto. Na segunda, mais uma vez saída de campo, e o homenzinho não mais poderá ajudar. Se fora no fim de semana, acidente na estrada. Sem causos, sem risos, sem café. Você não precisa ligar, ele não era tão íntimo assim. Mas como ser o “bom dia!” habitual uma fala sincera? Não dá.

Imagine que tem um filho. Você o fez homem. Ensinou-lhe sobre verdade e mentira, certo e errado. Quando pequeno, voltava machucado da rua nas suas andanças de bola, e era você quem cuidava dos machucados. Quando te acordava com café na cama, levava consigo um sorriso do tamanho do mundo, e a roupa toda suja com o pó que derrubara. No dia de sua formatura, fala quietinho pra si mesmo, num orgulho contigo: meu filho! E pensa que agora já pode envelhecer, e esperar os netos para fazer doces e contar histórias, deixar que corram livre pelo quintal em meio ao jardim.

Bom, não haverá netos. E você passará o resto da vida perguntando se Deus existe, e o que raios fez de tão ruim para viver mais do que seu filho.

A ordem natural das coisas, como diz o textinho do youtube, fora quebrada. Qualquer ordem, digo eu, é quebrada com a morte. Em qualquer momento, com qualquer pessoa, nunca estaremos preparados para lidar com a perda do próximo... ainda mais dos próximos mais próximos. Toda arrogância vai-se embora, não há o que arrogar. Todo medo se materializa em ato puro, de um puro agudo, que machuca. Já não há o medo de sentir medo, é o próprio monstro do armário que aparece no divã, chama para um café, nos lembra, calmamente, que nosso desespero é vão. É como se você pegasse teu melhor presente e jogasse ao mar – ele não volta mais. Mas a diferença é que, com a morte, não se escolhe o presente, nem o momento, nem respeita-se arbítrios.

As pessoas que amamos se vão, simplesmente. Cedo ou tarde. Não duvido que sofra muito pouco ao morrer. Antes fosse assim com aqueles que se vão antes da gente. Ou não: seria plenitude de deuses, impassíveis perante a dor. E o tempo que estivéssemos aqui seria pura e tediosa desvairia. Vida sem sentido algum. Por mais subjetivos que sejam, os sentidos que a morte faz com que descubramos para a vida são reais. Além deles, muito pouca coisa para um ser humano é importante de fato. E isto, infelizmente, nos lembra tão bem aqueles que nos deixam sós neste mundo, e assim faremos quando partirmos.

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