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quarta-feira, 10 de março de 2010

Mercado público

- Ó, tu pegas qualquer ônibus ali na avenida, passa a rodoviária e chega no mercado público. Lá tem essas lojas tipo Casas Bahia.
E assim foram dadas as coordenadas. Manhã agradável, sem risco de chuva, oito e meia em pé. Comparado com uma semana atrás, nesse horário estaria no segundo sono. O pó de café fora comprado na noite anterior, dois dias sem ele foi o suficiente para qualquer tentativa de abstinência. E não nos esqueçamos da manteiga, e o pãozinho – cara de casa. Passou o café, foi buscar o pão, cara amassada. Banho, escolha de roupas no bolo empilhado, e Urgs – o f é descaradamente omitido pelo imaginário popular, ao que eu não iria contrapor-se.
Urgs, mas sem ônibus...
Estava hospedado perto do campus central, e lá encontrou o que precisava: biblioteca e Ru. Biblioteca central, aliás. Pequena, desmerecendo o nome, mas muito bem iluminada e ventilada; e, para seu gosto, o melhor: silenciosa, quase vazia, sem resquícios de animaizinhos falantes que confundem cantina com corredor de livros. A revisão da monografia foi feita numa mesa especialmente voltada para os notes, com um porta livro em baixo, lembrando suas antigas carteiras escolares, as totalmente fechadas. Deus salve às bibliotecas setoriais e a distância dos grupos de estudo da psicologia daquela que frequentava!
Dada a hora, o Ru. Fila enorme, ao lado da casa do estudante. Com o cartão de identificação na mão mais um e trinta logo estava com a bandeja. Purê, arroz e feijão preto, algo verde que poderia chamar de agrião, na falta de outro nome. A carne era o único item que era servido por funcionários, e de forma limitada. Mais trinta centavos e rolaria um suco. Passou sem. Comida boa, saída. A fila maior do que quando entrou. Foi à busca de um orelhão, a imensidade dos que vira dois dias antes pareceram desaparecer. Primeira tentativa, ligação feita mas sem som. Segunda, e deu na mesa de um almoço a muitos e muitos quilômetros dali, viva voz, mó estiloso. Como é bom ouvir vozes conhecidas!
Quase uma, achou um banco à sombra para seus quinze minutos de sesta sentado. Depois, à monografia, e acabou mais rápido do que imaginava. Finalmente poderia ir à caça das tais casas Bahia. E foi. Ônibus, túnel, rodoviária, mercado público. Batata, sem erro. Trajetória é fácil, difícil mesmo é chegando lá.
Deu de cara com uma frutaria. Mas bah (perdão, leitores), que frutaria! Um quarteirão inteiro, e isto não era bem o que poderia se chamar por mercado público. Digamos que passaria por uma antessala. O dito cujo estava atrás, grande edifício quadrado de dois ou três andares, amarelo com detalhes em branco. Prédio antigo, sua fachada toda ornamentada. Ao seu lado, um prédio marrom com grandes portas e leões de cimento guardando-as. Ouviu que fora a antiga prefeitura. Em frente, um chafariz cercado, acesso somente aos olhos e mente. Logo no dia que tanto calor fazia, desperdício – entendeu o motivo das cercas.
Pois bem, o que veio depois é simples e complicado. Pensem num formigueiro. Ok, simples. Tá aí a descrição chave. Calçadões, ruetas que, por uso, se juntavam a eles, e muita gente em direções arbitrárias e descoordenadas. A cada dez metros alguém gritando para a compra de ouro e cabelo, ou foto três por quatro em três minutos. De maneira alguma confiaria seu cabelo, se grande fosse, aos anunciantes pouco apresentáveis, tampouco venderia seu ouro. Perguntou-se seriamente se alguém o faria, preconceitos de interiorano? A vivacidade dos caminhantes não escondia a sujeira das ruas, a poluição visual, um ar de decadência que parecia simplesmente ter sido esquecido por aqueles que passam por tais prédios todos os dias. Exceções eram os bancos em suas esquinas portentosas e layouts serigráficos renováveis, sempre modernos. Uma cidade velha, que em uma de suas faces tinha da mais bela maquiagem e desejo da juventude pueril, e em outra se aceitava velha, simplesmente funcional, prostituta que atrai pelo preço em detrimento da beleza que se fora e que, sem saber outro fazer, se mantém de cabeça erguida contra os efeitos do tempo. Em ambos os casos, faltava algo. Mas foi só uma primeira impressão.
Andou uns bons quinze minutos em passos curtos e lerdos. Olhava todo e qualquer letreiro buscando nomes conhecidos, na esperança de um crediário válido para a terra natal (onde estaria sua bolsa, era uma boa pergunta). Viu gente mal vestida, pessoas humildes, sacolas penduradas – a síndrome do financiamento em dez vezes, prestações pequenininhas que sempre se acumulam e se tornam empecilhos para se organizar um orçamento familiar. A doce ilusão de comprar tudo o que faz feliz em dez vezes. O capitalismo vencera não por acaso. Deu felicidade às pessoas, como nunca pensador algum poderá dar. Humanidade? Já seria pedir demais.
Mas entre pensamentos e passos, viu algo familiar: Lojas americanas! Veio logo à mente seu tempo de primário, os lanches com cara de filmes americanos e cheiro bom. Ar condicionado, um tem de tudo mais sofisticado. Avenida Brasil com São Paulo, centro centro de Maringá, lugar bom. O monte de materiais escolares e o cheiro de mãe ao lado. Mas nem ali o timbre de coisa velha se ocultava. Ao invés de convidativo, encontrou três patamares com escadas rolantes desligadas, iluminação mais ou menos, seções a deus dará e vendedores bem de boa. No lado bom, sua busca por uma tábua de passar e ferro pareceu uma caça ao tesouro. Diversão de vez em quando é bom, afinal. Tábua barata, ferro barato, foi finalmente ao caixa.
A fila longa, duas voltas naquele monte de doces que deixam à disposição para engabelar os trocados dos clientes. Nessa lógica, quanto maior a fila melhor – mas é só uma suposição. À frente, uma loira de raízes negras e tatuagem no começo das costas e abaixo da costela. Por que morenas desejam tanto ser loiras? Ou seria uma generalização injusta? Nos pés um tijolo de uns dez centímetros, e outro paradoxo do mundo feminino: gente, qual o problema das baixinhas? A média brasileira é de um e sessenta, não um e setenta e cinco. E dizem alguns que baixinhas são mais charmosas...
Mas voltando aos doces. Jurava que aquilo ali pegava pouca gente. Tá na cara a cara de sacana da situação. É óbvio que se tu comprares, ops, lapso espacial... é óbvio que se você compra tudo o que te colocam à disposição em filas de caixa de lojas diversas vai se ferrar: gorda e pobre. Por que do feminino? Por amostragem, viu somente mulheres pegando um, dois, três... quatro, cinco... meu, fora de série. Barra de chocolates são boas, mas que se coma por opção. Bolacha, refrigerantes, chicletes, tudo mais caro e em maior quantidade. E o povo pegando, pegando... Até a loira morena da tatuagem. E é claro que se vendesse cerveja ali o número de homens contribuiria na pegação geral. Mais uma vez, felicidade ao alcance das mãos e em poucas moedas.
Chegou ao caixa, perguntou sobre os cartões de crédito, e em duas falas já estava respondendo de onde era. Seu sotaque não era dali, percebia-se. Difícil era entender a caixa quando falava rápido, pediu pra repetir em duas ou três ocasiões. Entendeu perfeitamente o constrangimento das mulheres quando um atendente qualquer que tem sua atenção somente por ser um prestador de serviço usa da oportunidade para comer com os olhos e fazer piadas com finalidades ocultas. Mas se as reações são realmente parecidas entre homens e mulheres, um grau de satisfação acompanha a indignação: é sempre bom ser a última bolacha do pacote, ainda que da pessoa errada. Mas enfim, um tchau e a situação se desmancha, compra encerrada.
Saiu da loja, ferro na bolsa e tábua de passar na mão. Quase um surfista. A tarde era boa, Sol na cara, muvuca de praia. Pôs o óculos, e foi pelo calçadão adentro. Só faltou o mar, a surf music dava pra imaginar. No busão de lá rolava entrar com uma tábua? Só tentando...

3 comentários:

Lih disse...

Pagaria pra ver vc comprando pão..

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Rudah A. L. disse...

Cara, vc foi até o mercado municipal pra comprar uma tábua de passar e uma ferro?

Paciência, hein...

Marco Fabretti disse...

ueh, coordenadas do teu primo uai, hehe.

abraços