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quarta-feira, 26 de maio de 2010

O pequeno Miguel


- Vem Miguel - falou a mocinha com seus intempestivos seis anos, talvez sete.
- Não! Tenho medo! – respondeu o pequenino, entre três ou quatro outonos.
                Estavam ambos de frente para aquela escultura dourada sob o teto em forma de abóbada azul marinho acinzentada. A menina, três degraus acima, convidou mais uma vez o irmãozinho, a voz esperançosa:
- Vem... é o Buda!
                Mas o pequeno recuou. Ameaçou um choro, declinou da mão estendida da irmã.

                Voltaram correndo aos pais, e logo surgiram novamente em frente à estátua e à sua pousada na abóbada sem paredes, o bambuzal a lhe garantir o fundo artístico devido. Dessa vez, o irmão nem tão mais velho assim lhes acompanhou, demonstrando seu poder sobre o mundo:
- Pode vir, Miguel.
                Mas o pequeno, dedo na boca e braço encostado no corrimão dos degraus, avançou pequeno passo apenas.
- Tenho medo! – sua voz oscilava entre a certeza de ter medo e a insegurança por tê-lo.
                Foi quando a irmã constatou pequeno detalhe motor de crianças de três anos. Ainda que o nexo causal fosse ainda inconsciente para sua alta sabedoria dos seis:
- Olha, o Buda está com arroz na boca!
                No reclinar dos irmãos mais velhos para examinar o tal do arroz a curiosidade do pequenino não se aguentou. Ele saltou os três degraus impavidamente, subjulgando todo o medo que alegara ter, um verdadeiro herói em miniatura. Há de se sensibilizar com o fato, ainda que tal coragem abrupta tenha durado cinco segundos; ainda que de mais perto o Buda causasse ainda mais arrepios:
- Tenho medo! – recuou o pequenino, trote curto, peito pra frente, passinhos que se esforçavam para ser grandes.
                Um dia, o grande Miguel contará aos netos que há muito e muito tempo, num parque cheio de pássaros canoros, ao som de uma chafariz intermitente, à beira do laguinho japonês, o pequeno Miguel teve medo do Buda sentado de barriga de fora, que sorria monalisamente. Ou este será um daqueles fatos que não serão lembrados pelo grande Miguel – é bem possível.
                Mas fica entre nós, Miguel: esse Buda quietinho no escuro me deu medo também. E eu sou grandão já.

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