Pesquisar este blog

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pequeno doce causo no refeitório

Fim de ano, aulas a menos, calor, escola semi vazia. Dera uma das melhores aulas do trimestre em sua avaliação, e justamente para os alunos em recuperação. Sala dos professores e, perto do meio dia, o costumeiro almoço no refeitório. 

Como o restante da escola, pouca gente presente. Pegou o prato no local destinado aos professores e se serviu, assentando-se numa das mesas azuis retangulares de altura problemática. Mesas muito altas para ele, ainda mais para os alunos, mas enfim. Na mesa só tinha um pequeno sentado com a mochila nas costas, o que é engraçado: na escola toda a molecada tem mania de não largar a mochila. No seu tempo, era só chegar e jogar em algum canto, mochila boa era a guerreira.

Ele comeu rapidamente, e neste tempo não manteve contato visual algum com o aluno. Pensava ainda na aula para as oitavas, detalhes que lhe entretinham docemente. Era um pequeno sentado meia mesa abaixo, um grande sentado meia mesa acima, e iam bem os dois. Mas meio que de canto de olho, ao se levantar para repetir o almoço, percebeu que o garoto não comia, apesar do prato cheio. Estava divagando olhando para o céu. Aí vieram os velhos ensinamentos do seu avô à cabeça:

- Só coloque no prato aquilo que consegue comer... se quiser mais, não tem problema, repita - dizia e diz sempre o seu João para os netos mais novos e gulosos. 

O professor perguntou, de leve:

- E ae meu, vai comer tudo?



Na resposta, um afirmativo com a cabeça tímido - o professor dos grandões tá falando comigo. 

- E ce tá gostando da comida? 

Outro aceno com a cabeça.

- Pepino? Macarrã? Feijão?

Mais três acenos. Com tamanha eloquência corporal não podia duvidar o professor da sinceridade do menino. Mas como houve certa empatia, continuou:

- E giló, gosta também? - pura provocação, giló não estava no cardápio.

Para variar, mais um aceno. Mas esse não venderia barato. Ninguém, exceto ele mesmo, afirmava gostar de giló tão expontaneamente. Muito menos um piazinho de 8 ou 9 anos, que por seu tamanho parecia ter 7. Na briga pelo título de comedor de giló e curioso para arrancar algumas palavras daquela cabecinha abanante e olhinhos vivos, foi a fundo:

- Mas o giló é amargo .... - simulou uma indiferença, da mais fingida possível; era simples a solução: se ele soubesse que giló era amargo e mesmo assim gostasse, o menino ou estaria mentindo ou seria uma lenda viva dos infanto-juvenis; se, no entanto, ele não soubesse, estaria a prova concreta que não gostava de giló. Plano perfeito (e professores às vezes são maléficos). Daí que vem a resposta e a quebrada de pernas:

- É só colocar açúcar! - disse com uma tal convicção que o ânimo do adversário esmoreceu. 

Era óbvio que o guri não tinha a menor ideia do que era o tal do giló. Mas muito mais óbvio era que não o comia com açucar tampouco. O professor se viu numa aporia, a resposta do guri foi perfeita para a pergunta colocada. Só restou contemporizar:

- Ummm, que bom que come tudo. Vai ficar fortão! - disse para orgulho do guri, que sorriu abertamente. De que turma é?


- A30. 


- Ummm, então vai passar pra B neh?

O sorriso continuou aberto.

- Beleza, quando chegar no C eu vou ser seu professor. Vou ficar te esperando. 

E o professor se foi. Se acaso entrara feliz no refeitório pela aula dada, saía com a alma ainda mais leve. Esses pequenos, na mais das vezes, nos surpreendem.

2 comentários:

Rudah A. L. disse...

Cara, eu racho o bico das tuas histórias acadêmicas!

A molecada sempre vem com alguma resposta que nossas mentes treinadas no mundo adulto já não esperam...

Lendo o lance, ainda acho que serás um bom pai.


Abraço!

Marco Fabretti disse...

lembro=me bem de quando teu sobrinho saiu-se com um silogismo, segundo tu... e isso, ledo engando, com 4 anos, hehe


quanto ao pai, cara, relaxa.. dado teu caráter e teus princípios, se pá serás melhor pai do que eu.

Abraços