Leio matéria do El País sobre como a educação não é suficiente, por ela mesma, para reduzir a desigualdade.
Mesmo insuficiente, o quadro se mostra pior, pois ela não é sequer prioritária atualmente. Garantir acesso não garante qualidade.
Somos uma nação que normaliza a desigualdade sócio econômica, não compreende que ter alguns milionários se escondendo em segurança, saúde, educação e transportes privados enquanto milhões passam fome e se debatem em sub empregos não é mérito deles; que existe um sistema montado pra perpetuar os interesses de quem tem dinheiro em detrimento dos pobres; que fazer arminha não melhora vida de ninguém.
Somos um povo que não se importa com o outro. É quase um regozijo que haja outros com mais dificuldades que nós. Porque todos querem ser os senhores das casas grandes, mesmo o mais reles pé de chinelo proletário não consegue se enxergar assim, adora adotar a ética da suposta meritocracia e achar que é mérito seu o pouco que o sistema lhe permite.
Ah, mas para ter consciência disso é necessário ter educação. Bom, o acesso está universalizado, grande parte tem. E aí? E aí que a escola falha, sufocada por políticas públicas de desconstrução, uma falta de gestão, falta de seriedade. Sobra para as "professorinhas", grupo do qual faço parte, para tentar salvar o mundo contra o mundo e o sistema. Mas não somos heróis. Somos humanos, com famílias, problemas, contas para pagar, e mesmo o maior amante da profissão se sente esmagado. Nossa profissão é criativa, mas somos massacrados com burocracia burra. A aprendizagem é um processo individual, mas o que nos pedem é uma educação em massa, burra. Nossos alunos tem necessidades que vão muito além da escola, mas somos nós que temos que resolver pois para quem gere eles são somente dados para receber verbas.
Entendo os colegas que já desistiram, seja deixando a profissão ou simplesmente se resignando com ela. E, mesmo assim, me surpreendo que, após merecidas férias, de ter descansado das agruras e esgotamentos emocionais do ano anterior, nosso reencontro seja tão iluminado por sorrisos e vontade de fazer diferença. Somos resilientes.
Mas a vida não é um conto romântico. Não damos conta, e cada vez mais isso é latente para mim, de um sistema que é pensado para falhar. A educação não é prioridade para nossa nação. Pelo menos a educação pública. E, que fique claro, tirar crianças da rua e colocar num pavilhão em turno e contraturno não é educação, é controle social.
Educação forma pessoas. Controle social as trata como animais enjaulados. Animais enjaulados não precisam ser críticos, pelo contrário: devem ser amansados e votarem no primeiro que aparecer prometendo as mesmas promessas, e depois serem esquecidos. Se derem problema, tem a polícia, ela dará um jeito que não cheguem às mansões e condomínios fechados.
Animais enjaulados não pensam sobre desigualdade social, a normalizam. Aprendem desde cedo que assim é o mundo, e que o lugar deles é abaixo na hierarquia. Mas, vejam só, nada é tão ruim quanto quer fazer parecer este narrador pessimista: ricos e pobres, pretos e brancos, homens e mulheres, todos se unem para ver seu time de futebol favorito! Neste momento, somos iguais.
É rir para não chorar.
9 comentários:
Triste realidade. Li esses dias no texto de um colega de profissão, que lembrou a fala de um amigo: o epitáfio de todo professor deveria ser o mesmo - "lutou contra a ignorância, mas foi vencido. Eram muitos." E isso não é para falar dos alunos, mas justamente, de quem deveria gerir e ter conhecimento de fato para tornar o nosso sistema minimamente libertador e cidadão. Mas, sigamos. Não dá pra aceitar largar nas mãos de incompetentes a tarefa de fazer alguma mudança mínima... Sigamos...
Belo epitáfio. O que consola muitas vezes é poder contar com as parcerias do dia a dia. Por isso te agradeço. :)
A escola não se caracteriza apenas pela marca do acesso ao conhecimento, ela é local de processos de sociabilidade e socialização. Mas concordo Marco que infelizmente ela tem se preocupado em transmitir os conteúdos necessários para que o aluno da periferia em breve arrume um emprego e receba um salário mínimo, sem dar- lhe sequer a chance de querer algo diferente, de lutar por uma vida melhor ao compreender a pirâmide social na qual se estrutura nosso país. A criticidade, essencial para uma mentalidade democrática, há muito não é objetivo das práticas escolares. concordo que nós professores não somos heróis e muito menos salvaremos o mundo, mas se olharmos para a nossa prática e tivermos a compreensão de como se dá a reprodução das desigualdades sociais, vamos assumir nosso papel social e reagir a esse sistema autocrata.
Estamos tentando, Tai. Acho que este objetivo é caro a todo professor. Mas uma das implicações desta postura, de assumir um papel que vá além da do que fazemos em sala, seria uma mobilização política do grupo. E vemos cada vez menos este tipo de conpromisso, e não falo somente das greves. Na verdade, o quadro grevista é tão fraco justamente pq nossa classe, ou parte dela, não acredita mais que lutar valha a pena.
A ideia de que o quadro geral é maior do que nossas ações individuais, a um tempo que me angústia, também me consola.. porque, do contrário seguiríamos procurando culpas individuais para o fracasso que tem sido a educação. Ainda acredito no meu trabalho diario, mas como um posto de resistência, não como a solução para os problemas da sociedade. A contrução do tipo de educação que temos agora vem sendo feita a tempo demais... Mas, aprender, analisar e pensar sobre isto é importante pra pelo menos não sermos arrastados sem protesto pra realidades ainda piores...
Só observo que se a educação pública é um problema, a particular é aquela que reproduz o conceito de classe média raivosa e preconceituosa que também não tem senso crítico para perceber a desumanidade de seus comportamentos. Fracassa igualmente, na minha opinião.
Concordo, Cris. O mal eh duplo: essa reprodução de uma formação acrítica q perpetua a desigualdade e a ingerência no sucateamento da educação pública, visto que geralmente é a classe média ou alta que tem o poder econômico para ocupar espaços políticos em que decisões são tomadas. Posso não diagnosticar, propor políticas adequadas, ter o mínimo de preocupação sincera com a aprendizagem das escolas públicas: meus filhos não estão nela. Não é só cruel, é pequenez demasiada do que deveria ser uma nação, onde ganha-se mais se todos ganham.
É difícil para mim, Cris, esta distinção. Estou em processo. Tenho consciência clara do que nos falta de quem gere, mas não consigo deixar de pensar que enquanto escola poderíamos fazer não mais, pq já fazemos bastante, mas melhor. Por exemplo: ter um PPP vivo, vibrante, implementado de fato nos planejamentos do dia a dia, que promovam avaliações corretivas e não punitivas, que garantam ao aluno um projeto uno que lhe será assegurado de A10 à C30, independentemente do professor q estiver lecionando. Que nossas aulas fossem de fato transdiciplinares, ou ao menos se almejasse isto, de modo a fazer sentido na vida escolar de um adolescente. Ainda não recai na culpa individual, mas na de um coletivo proximo, o corpo docente.Mas como mudar? Como não fazer isso de forma a massacrar ainda mais os profes? Talvez reformulando a escola com o aluno no centro, desacomodando, sim, mas dando em troca a satisfação de um trabalho com significado para a vida do educando. Projeto grande demais? Talvez. Mas temos em nossas mãos a autonomia de um PPP, e não usamos. Ateh o momento em que não a teremos, e até esse movimento não será mais possível.
Com os governantes que temos, estamos perdidos
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