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terça-feira, 3 de agosto de 2021

Para que serve um avô? Para que existem esses seres com uma aura tão grande, que nos iluminam desde sempre, da barriga aos primeiros tombos, do pão com manteiga ao cuidado quando faltam mãe e pai?


Não são meros cuidadores. Tampouco se reduzem na categoria ampla "família", não porque não sejam, mas porque a transcendem. São tão especiais nessa ontologia própria que carregam consigo não nomes próprios, mas toda uma semântica complexa enrustida numa sílaba. Vô, vó. Poucas sílabas valem tanto, implicam tanto, pesam tanto, fazem gravitar em torno de si tantos significados. Talvez pai, mãe. Irmão. Irmã. Filho. Todas com suas nuances. Alguma que carregue tanta ternura? 


Seria injusto dizer, mensurar por comparação, há coisas para as quais a régua é única. Amor de vô e vó é um deles.Porque avô e avó estão em nós, desde sempre. No amor que passaram aos pais, em cada ensinamento que pacientemente repetiram, cada palavra direcionada  com uma única intenção: formar uma pessoa. Cada brincadeira, assobio ou causo, que compartilharam sem precisar. Cada laranja descascada, pão quentinho servido na mesa, cada olhar condescendente para aqueles meninos e meninas  tão verdes, com muito ímpeto e pouca sabedoria.


 Sabe, vô, eu poderia descrever tanta coisa do senhor! De como  o senhor gostava de jogar truco, das incansáveis caminhadas incompreensíveis para uma criança, para os assobios que me acordaram tantos sábados de manhã quando o senhor trazia a sena para jogarmos. Sempre quis assobiar como o senhor.


Poderia dizer dos domingos onde aprendi significados vários de ser família, sobre tua hora do sono, sobre como compartilharam sempre conosco essa intimidade que chamamos de lar - casa de vó e vô é assim que se chama, "vou no vô", aquele lugar tão seu, tão vocês, que era de todos ao mesmo tempo.


 Poderia, e faria jus ao senhor, lembrar publicamente que o senhor foi o   maior contador de causos que eu conheci. Não porque contava mentiras, mas porque dizia, do seu jeito, a vida de verdade. Me transportou tantas e tantas vezes para um sítio, estrada, cidadezinha, podia ver a vaquinha que dava leite para minha mãe, os burros bravos "que não são burros", a lida do campo enquanto seus filhos cresciam, a infância de um menino que desde sempre ajudou na roça e que, quando cresceu, levou seus filhos para a  cidade para estudarem. A história de como conheceu a vó, dos bailinhos da adolescência e da roupa bonita de domingo.


 Histórias simples, que permeiam minha mente a cada moda de viola que ouço. Um  mundo tão distante de mim! Mas tão próximo, graças ao senhor. Sua narrativa calma, pausada, detalhada. E, mais do que qualquer coisa, banhada em valores. Trabalho. Honestidade. Agradecimento. "O que é certo, é certo", quanto disso não define quem somos? Quantos frutos cairam longe deste pé? 


Um dia falei que seria teu guarda-costas quando crescesse. Eu cresci, este "netão do vô" se tornou homem, cheio de orgulho de ter sido cuidado pelo senhor. E pude te apresentar meu maior tesouro, meu filho, que aprendeu desde cedo do biso João, que carregará consigo um pouco deste pai, deste Marco, que é filho, que é teu neto.


Na verdade, vô, foi o senhor que sempre nos guardou, de tantas e tantas formas. Continue nos guardando. O senhor sempre estará comigo. E naqueles que me cercam. As vós também. Um dia, quero chegar pertinho deste homem que foi, das mulheres que foram.


Bença. Te amo.

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