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sábado, 16 de setembro de 2023

Sobre jardins, orquestras e asfalto

 




A relação entre aluno e professor seria como numa orquestra entre músicos e maestro. Quem produz a música? São os músicos, se me permitem leigo opinar. Mas há o maestro, e ele os guia, coordena as partes para um todo, insere-os num movimento coletivo. Ao professor cabe não filosofar, mas ensinar a. Obviamente que, ensinando, filosofa, assim como do maestro também se aponta causalidade ao fim do concerto. Mas seu foco não está em si, está no outro. Em guiar cada um dentro das suas potencialidades, perspectivas, crenças e coração (pois há mais numa sala de aula do que a vã racionalidade dos teóricos da torre de marfim, muitos transvestidos em bom mocismo barato e vão). O violonista sabe exatamente que, dentre tantos movimentos, há aquele que é para ele, somente para ele, ainda que outros tantos estejam ao lado. O aluno deve saber que seu professor está ali por ele, assim como por todos, mas levando em conta sua subjetividade. Não é o mesmo o que sente o violinista A e o violinista B com o mesmo movimento. Não é o mesmo o que pensa o aluno A ou o B com a reflexão proposta. Mas é neles e por eles que nasce a música, em todo caso. E, em todo caso, é no aluno que se desperta o filosofar, por eles e para eles. 

Mas ainda resta uma tarefa ao maestro professor: ligar aquela subjetividade que cria às outras que a circundam. Fazer da nota do violino uma fala num diálogo rico com os instrumentos que ali se encontram. Fazer com que seu aluno compartilhe, como a flor que nasceu no asfalto, seu pensamento, e aí está o outro, e aí está toda a beleza. O músico notará que se nutre da orquestra, o aluno que se nutre da sala de aula. Que nem seu fazer nasceu somente nele mesmo, tampouco que se resume, ao se tornar ato, num movimento para dentro. É no mundo e para o mundo que se faz uma música; se formos bondosos, no mundo e para o mundo é que se filosofa. É isto, professor, o teu fazer? Desperta a consciência de si e do outro em teu aluno? Ou se contenta em parecer algo, talvez culto, talvez respeitável? Com sorte, quem sabe um bom rapaz? 

Ao fim,  talvez a objetividade seja alcançada, talvez não. Talvez alguém se aprofunde tanto que o diálogo com os grandes filósofos (e músicos!), seja necessário. Talvez daquelas feias flores nascidas brote uma frondosa árvore, enraizando fundo, sombreando quem lhes procura, destruindo o senso comum preto, sólido e eloquente que a cercava. Talvez não. Talvez seja somente uma pequena flor, um sopro de filosofia na vida de alguém que more somente numa lembrança. 

Ao professor não cabe ler o futuro. Cabe não desistir. Ser professor é parar no asfalto, como Drummond, e, com os pulmões cheios, cantar loas àquelas florzinhas. Há um mundo onde isto basta. Faço parte dele.  Deixo os títulos e as pompas para quem é necessitado. Meus olhos se voltam ao meu jardim, a essa aleatória confusão entre músicas e flores, pessoinhas que acreditam no que digo a elas, a quem professo minha fé no ser humano. A elas minha mais sincera humildade em reconhecer meu não saber, minhas dúvidas e construção. Uma humildade radical, que ataca meus próprios pressupostos e me indica tão claramente meus limites, e que exponho em cada pergunta que lhes faço, cada gesto com que as acarinho.

 É possível ser professor de outra forma? Há quem diga que sim. Eu digo que há muitas máscaras no mercado, cada um veste a que convém. A minhã é a não máscara, aquela da filosofia, a que questiona e questiona e questiona, ao mundo e a si. Não é fácil, aceito de coração quem quiser me fazer companhia nessa joça toda, pode ser um caminho muito solitário. Àqueles que desistem, no entanto, nada resta de mim que lhes possa dar. O jardim é grande demais, o asfalto é sufocante e sempre lhe ameaça, o professor músico jardineiro tem o suficiente o que fazer para perder tempo com a mediocridade do parecer ser. 

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