- Professor, mas se Deus não existe, como que as coisas foram criadas? É claro que ele existe então!
- Não para Sartre... Para você compreender o pensamento dele você não precisa de Deus, entende? Simplesmente não é importante.
- E de onde vieram as coisas então?
- Não sei, de algum lugar... quem sabe um dia a ciência explica né? O que importa, para Sartre, é o que fazemos aqui, vivos, os que acreditam em Deus e os que não acreditam. Deus simplesmente não entra aqui.
E assim começou a aula. Que deus é um conceito superado, vá lá. Que a fé de cada um não é derrubada por nenhuma filosofia, outros tantos. Mas ia ele explicar tudo em 50 minutos? Não dava; então o lance era reduzir: que deus simplesmente não esteja no meio do assunto, Sartre é ateu e pronto! Afinal, tinha que passar pelo realismo de Aristóteles, o idealismo cartesiano, dar uma pincelada no conceito de fenômeno de Kant e voilà: a Sartre, por fim. Bom, isso tudo cabia em uma aula de 50 minutos? Só tentando! Resultado: aprendiz de professor esgotado; alunos se perguntado em que Sartre entrava na história, e, por incrível que pareça, uma alegria.
Alegria de estar ali, tentando passar o melhor do pensamento que o homem já produziu. Alegria de ver os alunos se aceitando animais racionais, mas compreendendo que a essência sempre é um problema; concordando com a sensibilidade como fonte de ciência, e ficando ferrados com o velho x sobre infinito que impede a universalidade desta ciência. Sensação boa de ter alguém afirmando “então o homem é o nada!”, mesmo que ele não pudesse compreender totalmente o que abarca esta frase. E descobrir que metade dos seus alunos (mesmo que por uma aula) assiste Naruto? Não tem preço!
Mas voltando ao balanço do dia, foi a primeira aula: se pecou-se, pecou-se pelo excesso, nada que uma boa conversa e uma dose de tempo não resolvam. Ah, o tempo: “se eu fosse o professor de vocês...”, me peguei dizendo, “até falava um pouquinho sobre deus”. Valeu ainda o elogio do estagiário da Puc, orgulho bobo que achei que não pudesse sentir: sim, carrego comigo, para o bem ou para o mal, cada professor desses cinco anos de graduação, e hoje ficou claro o quanto isso é verdade.
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Há uma hora antes da aula, me via na minha própria turma debatendo a educação: qualidade em detrimento da quantidade e vice versa, dificuldade de trabalho com alunos mal (obrigado serzinho) educados, salários que não condizem com a dignidade da carreira... fundo do poço e inferno meio que se encontraram naquela discussão. Afinal, porque cada um estava ali, sentado, aprendendo um monte de conteúdos para no fim enfrentar uma realidade longe da ideal? Meu caro Thiago diria que por pura burrice, dada nossas últimas conversas! É trabalhoso pacas traduzir filosofia para uma turma de adolescentes – simplificar sempre é difícil -, você ganha mau por este trabalho, é tido como o “alternativo” da família por não ter escolhido uma profissão decente – porque médicos e advogados aprenderam por osmose, sendo, portanto, quase deuses – e tem grandes chances de perder os ideais que te levaram ao magistério.
Em suma, ser professor, ainda mais de filosofia, que não serve para nada, é quase um pedido de auto-ajuda: eu tenho problemas! Naquela turma, portanto, estavam os futuros infelizes do mundo – cara, aqui eu to falando igual ao Rudah.
E o engraçado é que estavam lá, apesar do panorama. Alunos ruins se conquistam, aulas ruins se melhoram, o salário um dia sobe, está na nossa mão mudar... Otimismo? Bom, já disse Merleau-Ponty que as justificativas não são nada se não há uma vontade que as preceda. Por que raios queremos ser professores então? Porque queremos, escolhemos assim, e ponto. Aos problemas que aparecerem depois da escolha, dê-se um jeito, oras.
Contraditório? Talvez, ao menos se aqueles que se propõem a ser professores se contentam com um contracheque e um título que lhe garantam viver acomodadamente e reclamar do mundo. Mas estes não são mestres, são somente carteiras de trabalho assinadas com profissão “professor”. Mestre? A vida não é rosa, e nem todos podem aceitar sinceramente este título. Mas a todos aqueles que se proporam a exercer o magistério, seja-lhes esta a meta: ser um mestre, aquele que educa, que forma, que faz surgir no aluno o melhor que a humanidade lhe confiou. É possível que não dê certo? Sim, quase provável né? É possível fazer dar certo? Que se acredite nisso, ao menos.
- Não para Sartre... Para você compreender o pensamento dele você não precisa de Deus, entende? Simplesmente não é importante.
- E de onde vieram as coisas então?
- Não sei, de algum lugar... quem sabe um dia a ciência explica né? O que importa, para Sartre, é o que fazemos aqui, vivos, os que acreditam em Deus e os que não acreditam. Deus simplesmente não entra aqui.
E assim começou a aula. Que deus é um conceito superado, vá lá. Que a fé de cada um não é derrubada por nenhuma filosofia, outros tantos. Mas ia ele explicar tudo em 50 minutos? Não dava; então o lance era reduzir: que deus simplesmente não esteja no meio do assunto, Sartre é ateu e pronto! Afinal, tinha que passar pelo realismo de Aristóteles, o idealismo cartesiano, dar uma pincelada no conceito de fenômeno de Kant e voilà: a Sartre, por fim. Bom, isso tudo cabia em uma aula de 50 minutos? Só tentando! Resultado: aprendiz de professor esgotado; alunos se perguntado em que Sartre entrava na história, e, por incrível que pareça, uma alegria.
Alegria de estar ali, tentando passar o melhor do pensamento que o homem já produziu. Alegria de ver os alunos se aceitando animais racionais, mas compreendendo que a essência sempre é um problema; concordando com a sensibilidade como fonte de ciência, e ficando ferrados com o velho x sobre infinito que impede a universalidade desta ciência. Sensação boa de ter alguém afirmando “então o homem é o nada!”, mesmo que ele não pudesse compreender totalmente o que abarca esta frase. E descobrir que metade dos seus alunos (mesmo que por uma aula) assiste Naruto? Não tem preço!
Mas voltando ao balanço do dia, foi a primeira aula: se pecou-se, pecou-se pelo excesso, nada que uma boa conversa e uma dose de tempo não resolvam. Ah, o tempo: “se eu fosse o professor de vocês...”, me peguei dizendo, “até falava um pouquinho sobre deus”. Valeu ainda o elogio do estagiário da Puc, orgulho bobo que achei que não pudesse sentir: sim, carrego comigo, para o bem ou para o mal, cada professor desses cinco anos de graduação, e hoje ficou claro o quanto isso é verdade.
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Há uma hora antes da aula, me via na minha própria turma debatendo a educação: qualidade em detrimento da quantidade e vice versa, dificuldade de trabalho com alunos mal (obrigado serzinho) educados, salários que não condizem com a dignidade da carreira... fundo do poço e inferno meio que se encontraram naquela discussão. Afinal, porque cada um estava ali, sentado, aprendendo um monte de conteúdos para no fim enfrentar uma realidade longe da ideal? Meu caro Thiago diria que por pura burrice, dada nossas últimas conversas! É trabalhoso pacas traduzir filosofia para uma turma de adolescentes – simplificar sempre é difícil -, você ganha mau por este trabalho, é tido como o “alternativo” da família por não ter escolhido uma profissão decente – porque médicos e advogados aprenderam por osmose, sendo, portanto, quase deuses – e tem grandes chances de perder os ideais que te levaram ao magistério.
Em suma, ser professor, ainda mais de filosofia, que não serve para nada, é quase um pedido de auto-ajuda: eu tenho problemas! Naquela turma, portanto, estavam os futuros infelizes do mundo – cara, aqui eu to falando igual ao Rudah.
E o engraçado é que estavam lá, apesar do panorama. Alunos ruins se conquistam, aulas ruins se melhoram, o salário um dia sobe, está na nossa mão mudar... Otimismo? Bom, já disse Merleau-Ponty que as justificativas não são nada se não há uma vontade que as preceda. Por que raios queremos ser professores então? Porque queremos, escolhemos assim, e ponto. Aos problemas que aparecerem depois da escolha, dê-se um jeito, oras.
Contraditório? Talvez, ao menos se aqueles que se propõem a ser professores se contentam com um contracheque e um título que lhe garantam viver acomodadamente e reclamar do mundo. Mas estes não são mestres, são somente carteiras de trabalho assinadas com profissão “professor”. Mestre? A vida não é rosa, e nem todos podem aceitar sinceramente este título. Mas a todos aqueles que se proporam a exercer o magistério, seja-lhes esta a meta: ser um mestre, aquele que educa, que forma, que faz surgir no aluno o melhor que a humanidade lhe confiou. É possível que não dê certo? Sim, quase provável né? É possível fazer dar certo? Que se acredite nisso, ao menos.
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