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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Os olhos da filosofia

"Mas não nos desgarramos, com a questão da essência, no vazio universal abstrato que corta o fôlego a qualquer pensamento? Não manifesta a excentricidade de tal interrogação que a filosofia não tem apoio na realidade? Um pensamento radical voltado para o real deve aspirar, primeiramente e sem rodeios, a instaurar a verdade real que hoje nos oferece medida e segurança contra a confusão da opinião e do cálculo. Que importa, em nossa indigência concreta, a questão da essência da verdade que em sua abstração se afasta de toda a realidade? Não é a questão da essência o problema mais inessencial e mais gratuito que se possa colocar?

Ninguém irá subtrair-se ao evidente acerto destas objeções. Ninguém poderá desprezar levianamente a urgência e gravidade delas. Mas que se exprime nestas objeções? O simples 'bom senso'. Ele teima em sustentar as exigências do imediatamente útil e se revolta contra o saber que se refere à essência do ente, saber fundamental que, já há muito tempo, traz o nome de 'filosofia'.

O senso comum tem sua própria necessidade; ele defende seu direito usando a única arma de que dispõe. Esta é o apelo à 'evidência' de suas pretensões e críticas. A filosofia, por sua vez, jamais pode refutar o senso comum porque este não tem ouvidos para sua linguagem. Pelo contrário, ela nem deve ter a intenção de refutá-lo porque o senso comum não tem olhos para aquilo que a filosofia propõe para ser visto como essencial.

Além do mais, nós mesmos nos movimentamos no nível de compreensão do senso comum, na medida em que nos cremos em segurança no seio das diversas 'verdades' da experiência da vida, e da ação, da pesquisa, da criação e da fé. Nós mesmos participamos da revolta do 'evidente' contra tudo o que exige ser posto em questão."



Martin Heidegger, Sobre a essência da verdade


Ora, quem diria, filósofos? Sois humanos, tão humanos quanto aqueles do senso comum! - diria os que veem de certa maneira arrogância no que pensam demais. Eu responderia: quer algo mais humano do que filosofar?

Vá lá que não é tão prazerozo quanto afirmar a verdade que se tem aos olhos. Vá lá que é mais dificultoso do que firmar posição em algum dogma qualquer, nos deixar levar pela pulsão de evidência que está dentro de nós. Mas é humano, demasiado. Humano à flor da pele.

Assim como é humano fugir do questionar. Que tipo de humano escolher? Aí, já é pessoal demais.


5 comentários:

Liliam disse...

Não há vezes que nos debatemos em dúvidas que talvez nem merecessem ser levadas? Talvez seja bem melhor fugir. Não resta dúvida que fugir é mais fácil, uma vez que nos questionamos até se é correto, bom, sei lá o que, questionar!

Rudah A. L. disse...

Cara, uma pena Heidegger ter nascido antes. Eu já te disse isso antes, só que sem toda essa eloquência!
Fato é, escolher o caminho da filosofia para os brasileiros é um tanto penoso... Uma pena! Se bem que esta é a filosofia acadêmica, e não necessariamente aquela filosofia desenvolvida pelos grandes mestres. E que fique claro aqui que não acho que há possibilidade e filosofia de botiquim ser filosofia como propõe o velho mestre!

Marco Fabretti disse...

bom, minha cara liliam, citando famoso seriado americano que agora acompanho:

" - com o tempo as pessoas mudam!

- é ueh... mas não naquilo que realmente é importante."

acho que nossas dúvidas (nós, humanos), as importantes, merecem sempre ser levadas em conta. n é questão de escolha... escolha, na verdade, na minha opinião, somente para a resposta a ser encontrada... dai a diferença de nós (humanos da filosofia) para o restante. Não que sejamos melhores, mas diferenciados com certeza. Saber o que deve ser perguntado é algo bem especial. Daí que sejamos lixos socialmente falando, que matemos criancinhas ou fujamos para a torre de marfim, já n é culpa da filosofia, é questão de caráter (e pq n, nas crenças nossas de cada dia, enraigadas em nós).


E meu caro Rudah, eu acho, se me permite, que os velhos mestres tinham grandes problemas, e por isso foram mestres. Nós, nós temos o que? querelas conceituais.

Não que elas sejam desimportantes, são ótimas quando consequência de um pensamento vivo, para um problema vivo, para algo que afeta o pensador no seu dia a dia e que o faz esquecer de toda bonança dada por nossa sociedade (sim, somos boizinhos tb) para se dedicar ao pensamento.

Sem isto, não há mestres. Há acadêmicos e seus blablablas.

Filosofia é humana pq seu problema é o próprio ser humano. E por ser o homem de hj a merda que é, superficial e condicionado, não há muitos caminhos para sermos mestres. Ah, além do dom, é claro.

abraços aos dois

Rudah A. L. disse...

Foi isso que eu quis dizer, mas eu sempre me perco com os estímulos externos daqui de casa... Tanto é que esqueci de mandar um abraço.
Fato é, condicionados eles tbm eram, só souberam resolver algum problema grande de suas épocas. Se nós faremos isso que não seja resolvendo querelas acadêmica, daí eu já não sei. Espero que sim (aí uma das ambições reais)!

Abraço!

Liliam disse...

Acho, sinceramente, que ambos abandonaram Heidegger totalmente e passaram a discutir Cervantes, comportando-se como o próprio Dom Quixote a lutar com moinhos de vento.
Mas continuo a admirar a valentia destes meus filhos...
abraços