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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Eu só queria...

que meus alunos soubessem expressar por eles mesmos suas opiniões. Soubessem ler adequadamente um texto. Soubessem escrever adequadamente, tivessem domínios de certos paradigmas da linguagem escrita que lhes permitisse dizer o que pensam (pois eles pensam). 


Mas a cada trabalho que vejo e corrijo noto o quanto a formação é falha. De cada dez, um se salva. E aí surgem os relativismos, o discurso do coitadinho, o contexto familiar complicado, a falta de estrutura (de salário é que não é), a metralhadora giratória na sala dos professores reclamando e reclamando de como é complicado ensinar. O que mais me deixa puto, desses itens aí, é o tal do relativismo... "cada um tem o seu ritmo", "cada um faz o que dá", "não dá para exigir dos alunos coisas muito complicadas"...


Pelo amor de Deus, ler e escrever não são tarefas complicadas e deveriam ser dominadas minimamente nos primeiros anos de alfabetização. Que se refine as técnicas com o passar dos anos, fujamos deste quadro: o que se está pedindo dos professores dos anos finais é milagre via produção em massa. E explico os motivos: português é ensinado pelos professores de português, matemática pelos de matemática, alfabetização pelos alfabetizadores. Eu, como nenhum professor dito especialista, tenho formação para lidar com assuntos distintos de minha área. Isto não é dizer que nos omitimos, que fazemos corpo mole, que jogamos a culpa nos outros. Isto é ter honestidade intelectual para admitir que ensinar lida com objetos vários e que, para cada objeto, são necessários instrumentos pedagógicos vários, e que, para cada conjunto de objeto/instrumentos pedagógicos é necessária uma formação específica. 


Ora, ensinar é complicado? Eu também acho. Muito complicado. Olho para esta mesa de trabalho e me pergunto como estes alunos chegaram até aqui e o que eu posso ensinar a eles. E, mais importante, como teremos coragem de mandá-los embora nestas condições. Me dói o coração não saber ensiná-los o que de fato precisam, e meu primeiro impulso é jogar ao lixo o pouco que construí durante estes dois anos em sala de aula e ficar fazendo redação atrás de redação.  


 O problema, puta que pariu, é que eu não tenho a tal formação para lidar com isso, não é minha responsa, fraga? Por mais que eu quisesse e fosse irresponsável o suficiente para tentar, eu simplesmente não sei como. Faço o máximo possível para ensinar um pouco do filosofar para estes jovens, e até suprimo a necessidade de lidar com textos filosóficos, focando, ao invés disso, em problemas diversos referentes à filosofia com linguagens diversas. O que não dá é fazer o que não sei, ensinar  a ler e escrever. Para isso tive ótimas professoras de português, que estudaram para isso, se formaram e se lapidaram com a prática deste objeto específico. As professoras citadas me deram instrumentos para poder cursar um ensino fundamental decente, um médio decente e entrar numa faculdade. Detalhe: faculdade de Filosofia, com f maiúsculo mesmo, e não Pedagogia ou Português. 


Bom, daí chegam os conselhos de classe (os finais são os mais emblemáticos) e discussões intermináveis sobre cada aluno vão além de toda especulação metafísica já fabricada pelos antigos. Os comportamentos inadequados, as aberrações em sala de aula, o grau baixíssimo de cada um, fala-se de tudo, menos da causa dos problemas. Quando começa a ficar bom, ou seja, já não há a mínima objetividade para lidar com o sistema (afinal precisamos nos manter sãos), começamos a devanear, contar piadas, usar metáforas jurídicas nos colocando como acusadores (quando deveríamos ser os defensores) ou contemporizar com a situação. 

Resumindo, somos um bando de perdidos, tão perdidos como nossos alunos. Perdidos num sistema educacional que nos condena, a nós e a eles, a uma relação incestuosa onde o que menos vale é a aprendizagem. Fracasso escolar, é o que estampa nossa realidade cotidiana. E não há festa, não há interação social, não há cafezinho que resolva a parada. É isso aí. Deixe eu terminar minhas correções e continuar a tomar minha dose de surrealismo diário. 






5 comentários:

Elenilton Neukamp disse...

É difícil mesmo Marco...Mas precisamos sempre insistir.
Penso que cada caso precisa ser tratado em sua individualidade, mas me parece que somos exageradamente submissos à secretaria de educação.
Esta ideia de progressão automática (com esse nome ou não) é um erro. Certamente que reprovar alunos é sinal de fracasso de todos. Mas aprovar a todos indistintamente é ainda pior, muito pior!

Marco Fabretti disse...

Obrigado pela leitura e comentário, Elenilton. De fato, aprovação automática não é a solução. O problema é que a reprovação tampouco, vide os casos de alunos de 16 ou 17 anos que temos em c30: eles não são modelos de aprendizagem, pelo contrário.

Como resolver? Lançando-nos um desafio: escola é com nove anos, e com nove anos os alunos PRECISAM aprender. Temos que parar de jogar o foco do fracasso escolar em discursos que não saem da boa fé. É necessário assumirmos uma discussão séria sobre todos os problemas, e isto implica em mobilização. E a reprovação deveria ocorrer com muita liberdade nos primeiros anos. Não dá para um aluno sair do primeiro ciclo sem ser alfabetizado.

Agora, passar um ano, reprovar um, passar outro, reprovar outro, sem foco, sem objetivo, não adianta. Que o avanço seja justificado, que a reprova seja justificada. Se não esmiuçarmos a questão da aprendizagem, esta discussão ficará em círculos.


Abraços!

Sandra Santos disse...

Queridos colegas, Elenilton e Marco, de onde estou o sofriemnto não é menor. Vocês tentando, mas sem saber como ajudar aos alunos e eu... sem saber como ajudar o grupo de professores. A RBS lança a campanha: a EDUCAÇÃO PRECISA DE RESPOSTAS. Será? Precisamos é de ações!!! Estou certa? Que ações? Com quem? Como? Quando? De novo, perguntas que requerem respostas. è a RBS que stá certa? Beijos

José Pacheco disse...

Prezado Marco, crê que não estás sozinho nas relexões. E, se o eercício da nossa profissão pode er feito de solidariedade, se quiseres enviar-me email,talvez possa ajudar...
José Pacheco
jpacheco.1951@gmail.com
Abraço fraterno.

Marco Fabretti disse...

Sandra, creio que ações é de fato o que precisamos. Mas falta um saber como, e esta saber se constrói. O que me entristece é que esta construção não se dá em nossa escola, não há um ambiente "produtivo". Falta engajamento, e talvez possamos começar por aí.

José, fico grato pela contribuição (e à Sandra, que provavelmente lhe apresentou o blog). Já, inclusive, lhe enviei um email.


abraços