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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sobre algo que talvez um dia conversemos

Teus cabelos serão castanhos, como teus olhos. Tua boca será pequenina e teu nariz arrebitado. A pele branca puxada para o amarelo e bochechas rosas, teu tamanho dois palmos meus. Teus dedinhos enredarão os meus, um por vez, pequeninos que serão. E teus pés não passarão de móbiles para aguçar os sentidos.  Este é você, Felipe, no pouco que te concebo.

É pouco, eu sei, e provavelmente errôneo. Mas não cabe a mim delimitações profundas. Deixemos a Natureza fazer seu papel, interpretado com maestria até agora. Não é com tanta satisfação que tua mãe recebe os chutes abaixo da costela com que sinalizas tua vontade de vida, veja bem. Mas ela aguenta, é forte, e esses chutinhos nos dizem que estás bem. Por ora é suficiente.

Apesar de pouco, a imagem que me vem à mente já é todo um mundo em mim, novas categorias de ser que se preparam para que, chegando, lhes confira significado. Não é, no entanto, teu físico que me preocupa. Tua alma, esta sim, será foco de minhas atenções. E prevejo muito trabalho. É aí que precisaremos construir um ser humano, lapidar entre inúmeras experiências um homem, fazer desta matéria prima um ente apto à felicidade. 

Claro que para isso precisaremos conversar sobre o que é ser humano, do que se faz um homem e por que a felicidade é um ideal tão longínquo de nosso dia a dia. Não te preocupes com receitas prontas, tudo será construído em comunhão entre nós. Se há uma verdade que insistirei para que acredites é que a verdade é construída, e nada deves aceitar como tal sem antes pensar por si próprio: comungar com o mundo e o receber, ressignificar e atuar sobre ele, sendo tu a medida de todas as coisas. 

Entendes o tamanho disto? Sermos nós a medida do mundo é tarefa difícil, dolorida, pois implica em medir em nós mesmos a dor dos outros. Se apropriar do mundo é tomar consciência de todas as suas facetas, inclusive as más; é perceber que somos incompletos, finitos e egoístas; que o valor do outro é relativo e que a vida pode ser sagrada a uns e descartável a outros - e, com estes, também dividirás a mesa. "Mundo mundo, vasto mundo"... Por sorte, Felipe, sempre haverá a poesia para nos ludibriarmos desta tarefa inglória que é se fazer humano. 

Mas não te desesperes, não ainda. Tua humanidade só aumentará neste processo, e eu estarei à sombra para esconder o teu rosto se precisares. Não há heróis, filho. Surge a compaixão da consciência de nossa finitude, e é aí o campo mais profícuo para uma alma florir. Para tua alma florir. Dará trabalho, mas este é um compromisso do qual é impossível me furtar. Estarei contigo. 

Portanto, independentemente da cor dos teus olhos ou do tamanho dos teus sonhos, aqui estou eu, agora e para sempre, para dizer: "Seja bem vindo!". Venha logo, que esse mundo será teu.

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