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quinta-feira, 6 de junho de 2019

O diário

Mais ou menos uma hora do início o celular despertou. Fechou o tema que fluía e lançou o desafio. Vinte minutos para escreverem o que viesse à cabeça sobre a aula até ali, que pensassem como um diário, poderiam até começar com "querido caderno de filosofia, hoje..". Ah, e claro, que fizessem a lápis, ele leria e corrigira os erros ortográficos. 
Na semana anterior, havia começado o círculo propondo a discussão sobre avaliação. Afinal, por ricos que fossem aqueles momentos em que seus pequenos e pequenas pupilos/pupilas se sentiam livres para conversar sobre suas preocupações e anseios, e que as aulas acabassem passando e passando sem que percebessem a proximidade do término, ainda havia um término não poético chamado comumente de "trimestre", marca temporal que determinava a comunicação aos responsáveis formalmente sobre como aprenderam as bruxarias e afins, ou, não sendo possível afirmar com veemência tal aprendizagem, que ao menos se dissesse em tom sério e marcado o diagnóstico possível do bruxinho e as poções que talvez aliviassem o problema. 
Mas como avaliar um círculo de debate? Seus objetivos os tinha claro desde o início, iniciar Política através da prática, criando leis e determinando em assembléia sua validade e legitimidade para aquele pequeno coletivo. Ouvir e ponderar sobre o que o próximo tem a dizer, ainda que passe longe a concordância nos termos, em tempo de redes sociais e seus dualismos rasos, é quase lucro como objetivo secundário. Aprender a argumentar, em suma, sem que haja desrespeito ou menosprezo, somente a construção de um conceito ou ideia através da fala, como soa a humanos fazer. A lei do mais forte, apesar de pressuposto de algumas sociedades ou posturas atuais, deixariam para macacos e cães. 
Não poderia avaliar a participação falada, há quem fale e diz pouco e há quem cala e pensa muito. Tampouco fazer uma prova objetiva apontando a transformação que sofreram os conceitos chave da aula. Sobra uma redação, mas de que tipo? O processo de conversar, opinar, debater, repensar o usual e o comum, reconhecendo no outro um ator legítimo de provocação, e reanalisar o mundo a partir deste processo pede é um portfólio, aberto a quaisquer tipos de produção que aqueles serzinhos se inspirassem a fazer. Mas um caderno só para isto é complicado, já gastam tanto com os cadernos que comumente trazem... que seja o caderno de filosofia então, que ele não seja só registro, mas produção viva de um pensamento. Bora lá para o tal caderno diário, e assim voltamos ao início do texto. 
Silenciaram os alunos, aceitando o desafio, e se puseram a escrever. Não há sensação mais doce a um professor do que perceber esta chama que brota na ponta da caneta ou num sorriso cúmplice de um aluno que sente aprender algo contigo. Acho, no fundo, que é isto que move não somente este nosso anti herói, mas todos aqueles que se congraçam na tal profissão. Achando tudo muito bom e já pensando na aula que viria a seguir, mais uma grata surpresa lhe interrompe o pensamento. Uma aluna lhe pergunta se era necessário mesmo o tal do formato diário. Ele percebe na hora, se reconhecendo naquele figurinha, e solta um "não... pode ser um poema se você quiser, um conto, uma crônica. Crie o que você quiser". Ele sorri, ela sorri de volta, abaixa a cabeça e escreve. 
Uma ótima tarde para ser professor. 

Um comentário:

Valdy Junior disse...

E esse serzinho que blogueia pseudomina-se Marco Aurélio. Um Professor de Filosofia... mentira... um grande professor de Filosofia. Amante, amado, fiel da educação pública. Esqueci: amante completo, porque também traidor... da mesmice, do lugar comum, do tédio. InconformADO; BrABO, IndignADO... isso o faz ApaixonADO. Consequência: AmADO!!!