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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Das vantagens de ser piegas, ou O mundo e sua relação intríseca em Fábio Jr., ou Felipe, meu pequeno e amado cantor



Nunca comprei um CD do Fábio Junior. Tampouco baixei mp3, fiz cópia pirata no tempo em que me encantava copiar cds alheios ou quaisquer movimentos do gênero. Tirando uma ou outra música, e aí necessariamente Pai adentra no grupo seleto, desconhecia grande parte do que ele produzira. Foi num acaso que ouvi a música que me marcaria nesses últimos dois anos. Não fosse Karen colocar em streaming na TV um show completo, passaria por outras canções e, por consequência, por outros textos que não este.
Fato é que a ouvi e, baita coincidência, recém havia me tornado pai. (Se me permitem um parênteses, uma pequena elucubração sobre este tornar-se. Pai. Palavra pesada. Substantivo simples que carrega consigo respeito, responsabilidade, aquela certeza sobre o que se é e para onde o mundo vai. Como pode um adulto tão incompleto e inseguro como eu carregar este título?  Por que, sem meias palavras, boto fé no lance de uma construção constante, ir aprendendo com a cria e o mundo e tal, mas, imperfeito que sejamos, aprendizes que nos tornemos, quando aquela pequena vida adentra pela porta de casa, se aconchega no colo e se faz notar com um choro (ou miado), nos tornamos Pais, com p maiúsculo, gostemos ou não, sem chance de fuga. Não há vida que seja a mesma, percepção, sentimentos, sonhos, tudo se transforma em função daquela pequena entidade, daquele ser que por suas mãos crescerá. E se no início basta os balbucios para nos encantar, quanto nos espantamos quando a consciência de si e do mundo aumenta e passamos a ser de fato referência, ou quando à palavra que dizemos uma resposta chega. É indizível o encantamento e o atropelo que lhe acompanha.
Claro, choveríamos no molhado se disséssemos que é, também, cansativo. É bom ser só o eu, no máximo aquele nós esperto que convencionamos com alguém e podemos, com mais ou menos drama, desfazer com algumas palavras, ou até com sua ausência. Meu trabalho, minhas amizades, minhas séries, minhas músicas. Meu violão e acordes, só meus e para quem eu quiser. Pois é. Isto não existe mais em minha vida há exatos dois anos e oito meses. Meu trabalho é meio, minhas amizades são secundárias, minhas séries se infantilizaram, minhas músicas adormecem numa pasta qualquer. Meu violão é de cinco dedinhos que acordes não fazem, mas gostam de um batuque como ninguém. Essa negação de mim às vezes cansa, como tantas outras coisas. Podemos fugir de um trabalho chato, mas e de um filho? De nossa consciência nunca nos escondemos).
Findado o parênteses, volto à música tema deste texto. Ela se tornou o canto de ninar que ofereço a Felipe nas noites. Na peculiar lista com que lhe embromo no sono entram um ursinho pimpão cantado por meu pai para Lara, para o qual invento versos, um chico mineiro para manter as raízes, um boi da cara preta com o qual rodamos nomes e nomes a ter medo de careta, uma rua que não é minha e que se fosse teria uns upgrades com ladrilhos portugueses, e, por fim, o tal de Fábio Junior e sua ode à paternidade. Não posso reclamar de nada se eu tenho você aqui; iluminando o chão da estrada, caminho que escolhi. Não posso acomodar na fala as coisas que são para sentir; é só olhar na minha cara para ver meu coração sorrir. Você foi o melhor presente que, tão gentilmente, a vida me deu. Agora é só cuidar direito, é tudo tão perfeito entre você e eu.
Bem, o que mais se pode dizer a um filho? Como poderia encontrar mais verdade em outras palavras? Não é necessário, não preciso escrever nada para dizer a Felipe o que sinto por ele e por causa dele. Simplesmente canto, e conto com aquela falta de referência externa peculiar da idade para que me perdoe a falta de voz ou o tom inseguro. Deixo que se aconchegue em meus braços e sussurro próximo ao seu ouvido, e coloco todo o amor que posso em cada palavra. Será assim enquanto eu puder fazê-lo, para este pequeno arteiro que vai se tornando mais independente a cada dia. Receio que logo logo me ache piegas, como devem achar os que leem este texto. Aceitarei de bom grado a acusação, pois ser piegas é condição inata que nos acompanha ao sair de uma maternidade, e todos os clichês se fazem necessários para expressar a quem quiser saber que sim, existe um amor maior do que nós e que este passa longe do egoísmo das paixonites que nos surrupiam o querer de vez em quando. De modo que não negarei, Fábio Junior é piegas, esta música também, e eu tremendamente piegas ao cantá-la. E isto não é importante, simplesmente.
O que eu não imaginava é que, dois anos e oito meses depois de seu nascimento, o pequeno Felipe pudesse me surpreender como fez hoje. Eventualmente descemos o lixo juntos; eventualmente aproveitamos a saída para passear com Cacau, pois geralmente o passeio passa a ser com o Felipe e Cacau acaba esperando pacienciosa pelas traquinagens do guri. Por isso estas saídas não se fazem tão constantes. Hoje, feriado de Natal, ruas tranquilas e a necessidade muito enfatizada por Karen de descer o lixo e dar aquele rolê com o senhor bateria 220 ambulante – veja bem, foram duas ênfases em menos de dois minutos, a coisa se fez séria –, deu-se o cenário ideal para que o eventual acontecesse. Saímos então, os três mosqueteiros sem D’Artagnan, a explorar tabernas e castelos pelos arredores de nosso palácio. E como é de praxe, não demorou muito para o mais empolgado com a saída de campo achar um graveto que chamou de faca, apesar da tentativa reincidente de seu pai em lhe apontar que estava mais para espada o artefato, haja vista estarmos na França de Richelieu e não num beco qualquer de um século posterior.
Entre espadadas e cutucadas, incluindo alguns arremessos a me mirar, fugas para que eu corresse e lhe pegasse no colo e descaminhos propositais visando unicamente a provocação sorrateira à autoridade representada por mim, que nem é tanta assim e que geralmente apena com mordidas nos joelhos e cócegas onde der, Felipe decidiu fazer de sua espada microfone e da minha violão. Puxei um sapo jururu, ao que ele prontamente acompanhou, ainda que me mandando ficar só no violão. Aí já tentei emendar um borboletinha lá na cozinha, e, para minha surpresa, a fera foi junto. Foi aí que se deu um não posso reclamar de nada, num ritmo marcado e com voz de bravo, olhando de soslaio para mim. E mais uma vez. E mais uma, à frente do celular. Sentei-me na calçada, cantei com ele e descobri que não sabe ainda cantar os versos, mas sabe completar todos eles.
Esse pequeno danado ou finge que dorme ou engana bem demais na dublagem. Seja como for, saber que um dia ele lembrará desta canção e de tudo o que ela representa para mim me emocionou. Não há no verso repetido por ele a compreensão. Mas nele ecoa todo o amor do mundo, e sobre o amor, bem, que falte a compreensão, dizem que os sábios pouco sabem sobre amar e suas vicissitudes. Meu pequeno, com seus trejeitos e encenações, hoje me presenteou com a canção mais linda do mundo. Não tem preço. 


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