Ela me dizia que estudou durante muitas noites. Sozinha, trabalho, estudo. Solitário, decerto. Penso que, nestas noites, sonhava em voltar pra casa; ao menos eu sonharia. Haja força. Distância, privação de tudo, mundo que é nosso, mas não é nosso chão. Às vezes se esquece... às vezes se lembra. E às vezes, sozinho, lembra-se mais. É no silêncio que as coisas importantes veem ao coração.
Um dia, a distância acabou. O mundo gira pra quem gira com ele. Um concurso, resultado dos estudos, projeto já pensado nas noites sozinhas. Um, dois, três... mente focada, uma hora acontece. E então, sua terra, seus pais, seu emprego, sua vida que até então se privara, tudo numa carta. Vinte e seis não são vinte e dois, há que se desfrutar, descansar os pés, relaxar a vista com aquilo que nos faz bem. Um bom apartamento, ar característico, família a dois passos, a casinha sob a figueira. Um lugar onde a Lua nunca contrastaria com luzes de postes e mais postes ou arranha-céus, segurança. Uma volta ao Sul, santo e belo. Uma vida provavelmente feliz, com saídas da rotina detalhadamente pensadas, planejadas, bem estruturadas.
E do outro lado? Uma pessoa. Nada mais do que pouco tempo. Nada mais do que algo fora do bom senso. Tudo, em muito pouco. Não era segurança o que eu passava. Muito menos um apartamento e a rotina. Vejo tão claramente hoje! Sou incerteza, construção, risco, jogo de azar. Sou a opção mais doce na presença, e só isso. Sou sem chão pela idade, sem segurança pelo excesso de sonhos, sou eu e minha juventude, que cerceio tão bem quando quero. Sou pau pra obra nova, rio que passa longe, de preferência em lugares que não se passa. Sou eu e minhas tentativas de pensar o mundo, de amar o mundo, esse meu egoísmo de moleque. Sou eu e Norah Jones, dueto perfeito: uma canta, outro ouve. Sou eu e BB King, mas daí já rola uma conversa. Sou meus passos no chão, meu ser no mundo, meu jeito de ver. Imaturo, sempre.
Sou a vida que vai dar certo, e ela a que já deu. Dar errado nunca foi opção. Mas deu. De um lado, só uma pessoa. Do outro, uma vida às claras. Correr atrás de mim num mestrado em Porto Alegre? Deixar seu chão para um doutorado em seja lá onde Deus me colocar? Deixar o bom emprego, a boa casa, o bom lugar, a boa terra, por um sonho?
Haja amor. Não houve. O único idealista que conheci, dos bobos e ingênuos, me atende no espelho. A vida funciona assim. Então se curam as feridas, contam-se histórias, chora-se no quarto sozinho. Abre-se a janela, deixa-se o Sol bater na cara, respira-se fundo o que o mundo quer nos dar. Faz-se uns bons poemas e algumas canções, lembra-se de um ou outro momento bom, e vai se cultivando a arte de esquecer. De vez em quando, Norah Jones aparece na rádio. Mas nada a se desesperar. O Sol sempre brilha, por mais que não queiramos. E a vida nos lembra que estamos vivos. E veem as risadas dos novos e velhos amigos, o abraço que nem precisa ser dado. E o chão, a poeira nova, o rio que precipita em cachoeira no amanhã. Já não tenho 22. Mas não tenho 26. Ainda arriscaria minha vida numa caminhada atrás daqueles pés na grama úmida? Talvez não.
Passei da fase de defender o que sou. Já cai tantas vezes. Vou no caminho mais alto, mas na busca por mim mesmo. Ao que me reservar o caminho, ou àquilo que puder seguir meus passos. Não me preocupo se não puder. É a tal da busca ao inverso. E vou leve, de forma como jamais estive. Meu próprio tempo. Talvez ela estivesse certa. Talvez, não. Agora é história, somente alguma nota no timbre de Norah.
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