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sexta-feira, 3 de abril de 2020
O médico
- Você senta aí, estou terminando de atender o cachorro - aponta o sofá, no qual logo me sento.
- O senhor é médico de quê?
Imaginava que sairia algo como "de joelhos", "de coração", "de olhos". Mas o que veio complementava a primeira fala:
- Sou médico de cachorros e humanos - falou, sem se virar da bancada improvisada na rack da televisão, teclado e mouse à mostra.
- Ah, tá... Então eu espero.
Uma digitada aqui, uma olhada no cachorro acolá, uma espetada com aquele instrumento médico que mais parecia uma flecha de plástico de um arco infantil... me perguntava, nesse meio tempo, de onde tiravam esses designs tão inovadores no campo médico. No meio de minhas elocubrações, chimarrão à mão, sou interrompido:
- Marco Aurélio Fabretti! - lê em seu monitor todo preto que também é TV.
- Opa, doutor, sou eu!
Sem se virar, pede que eu puxe uma cadeira. Me sento e logo começa a consulta. Percebo um pó de chimarrão em minha mão e logo jogo o problema:
- Doutor, minha mão está verde. O que será que é isso?
- Humm, vamos ver... - examina sem tocar.
Então digita incansavelmente em seu teclado por alguns segundos e diz:
- Você tem uma bola verde no dedo! É diferente do cachorro...
- Ummm, que doença que o cachorro tinha?
- Ele não tinha doença, só estava brabinho. Eu dou remédio para quem tem doença e acalmo quem esta brabinho.
- Ah, então o senhor só acalmou?
- Sim.
- Tá! E como que eu trato, doutor?
- Você precisa tomar banho... toda noite.
- Tá, toda noite?
- Sim!
- Mas remédio não?
- Não precisa.
- Tá, doutor, meu ouvido também está com um problema...
- Deixa eu olhar... - se levanta de sua rack e dá uma olhada rápida. Umm, você tem dois furos aí dos brincos.
- Sim, mas tem esse maior aqui... esse buraco no meio da orelha. Para que que serve?
Pesquisa em seu computador novamente. Essa é simples, demanda pouco tempo:
- Esse buraco aí é para você ouvir.
- PARA EU OUVIR?!
- Sim.
- Ah, que legal. Eu não sabia disso não.
Nesse momento, pede pausa na brincadeira e fala baixinho:
- Papai, quando você sair você vai me encontrar e dizer o que você tem, certo?
- Combinado.
Reincorporamos as personagens:
- Doutor, acho que era isso... posso ir? Meu filho está lá fora, me esperando...
- Não precisa ir, ele esteve aqui, e eu expliquei que ia fazer perguntas. Você tem mais alguma dor?
- Já que o senhor falou... AI, AI... meu coração doutor, tá doendo!
- Deixa eu ver...
- AI, AI, AI..
- Calma...
- AI, AI...
- Olha, tudo bem. Bebe água que passa.
- Só isso?
- Só.
- Posso ir... preciso ver meu filho.
- Olha só... eu também sou seu filho.
- O QUÊ?
- Sim, ele é meu irmão.
- Mas você é meu filho e filho da mamãe Karen?
-Sim.
- Mas como, se você é médico... deve ser mais velho que eu!
- Não, eu sou um médico criança!
- Ah, entendi. Mas onde você estuda para ser médico?
- Ué, na escola de médicos crianças! - óbvio.
- E qual é seu nome, doutor?
- Jey Tubarão Quarenta e Dois. Mas antes eu era Felipe...
E assim termina minha consulta. Saio com a certeza que banhos e água fazem muito bem, que eu tenho dois furos devido aos brincos e que, pasmem, tenho outro filho! E assim vamos entrando em mais uma noite de quarentena.
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