Hoje volto à carga com o blog e, correndo o risco de ser tachado como recorrente, falarei de escola. Mas não falarei muito.
Tive um dia péssimo. Substitui uma professora que precisou se ausentar na turma de progressão de terceiro ciclo, turma esta da qual sou professor. Além de ter que buscar os alunos no pátio, houve toda uma tratativa para motivar os alunos a resolver exercícios de matemática, já que a aula seria de dança.
Mas foi-se. Separa um de lá, conversa com outro, e tamo ae.
O problema é que há alunos que não veem esta turma de progressão como a última chance de uma vida escolar. Veem como mais um lugar onde os colocaram e ali será a área do fazer o que quiserem. Não, não será, ao menos comigo em sala de aula. Uma das alunas, se negando a sentar-se e resolver exercícios, é convidada a se retirar da sala. Diz que não sairá. Bate boca comigo - e eu, erradamente, com ela. Agora penso, por que bater boca com aluno? É tão claro quanto o Sol que não se deve fazer, penso eu agora. Mas é tanta desfaçatez que não ficar indignado - e bater boca - precisará de muito treino. Não saiu da sala, não fez exercício, atormentou a aula, e ainda não se deu conta de que há alunos ali que precisam daquele espaço. Que ela não precise, grande coisa. Que ela não entenda que sua postura é um impecílio, é grave. Falta respeito com o professor. Falta respeito com os colegas. Falta respeito consigo própria.
Mas enfim, saí da aula direto à supervisão. Não dou mais aula para ela, ao menos sem um ultimato para mudança de comportamento com pai e mãe presentes. Não estou ali para isso.
Só que entre escrever aqui e vivenciar na sala de aula há um abismo. Me sinto um lixo ao passar por um episódio assim. Por que raios estou numa sala de aula onde não dão valor ao trabalho realizado? Fodam-se estes alunos que não querem nada com nada. Eles tem uma família tosca? Eles tiveram anos anteriores mal-feitos? F-O-D-A-S-E.
Educar é para quem quer ser educado, e reconhece na escola um lugar pelo qual a vida se dá e se faz. Se não há este reconhecimento, o que um aluno faz em sala de aula? Atormenta. Atormenta não a mim, professor. Eu, dando aula ou não, tenho meu salário no fim do mês. Mas atormenta quem está lá para quem sabe subir de turma, acabar o fundamental e fazer algo que melhore sua vida. É por isso que eu repito: foda-se. Há uma grande diferença em se doar para resolver problemas de aprendizagem de alunos desfavorecidos e se doar para alunos que acham a escola um circo. Tenho na turma de progressão alunos esforçados, limitados que sejam. É para eles que preparo minhas aulas.
E para o guri de B30 que veio comigo no ônibus hoje contando que vai ver os Smurfs à tarde no shopping com a professora de Sir. Que tem figurinhas de jogadores de futebol no bolso, um mp3 sem fone, vontade de ser fuzileiro naval, planta uma horta em casa e para o qual passei alguns minutos tentando explicar o que era diplomacia. Para este guri, que nem sei o nome, que sabe a tabuada do cinco e topou me contar semana que vem a do oito, já que embaçou no 8x7. Ou para o Daniel, meu aluno especial de C30 que estava num banco à frente e que, mesmo com suas limitações, pega o mesmo ônibus que eu para vir ao Julinho fazer um curso à tarde. Grandão, desengonçado e sorridente.
É por eles que recomeço. Quantas vezes? Não sei, não sou santo para dar conta de tudo, uma hora mando à merda. Mas não estes alunos. São para eles e por eles que sou professor. Basta uma conversa de ônibus com o aluno B30, ou um olhar silencioso até o Big Dani. É por eles que não fui jornalista ou hoje não tento entrar num outro concurso. É para ajudá-los a crescer e se tornarem homens bons.
Aos garotos e garotas perdidos, que chegaram aos dezesseis na sexta série e que não reconhecem em si mesmos a necessidade de mudar, meu desprezo. Um desprezo fruto da crença de que não muda quem não quer, ou quem não tenta. E para estes, não tomem meu tempo. Preciso atender o rapazinho de B30, o Daniel, os alunos Cp que estão se esforçando para demonstrar que podem ser incluídos.
2 comentários:
Aahhh bicho, vou parar de ler teu blog! És muito recorrente... hahahahahahhahahahahahah
Cara, sempre que eu leio teus textos sobre escola eu consigo achar que tomei a decisão mais certa e a mais errada da minha vida ao deixar de ser professor. Mas vá lá, ao menos compartilha com os pequenos o que é diplomacia! Sorriso no rosto!
Abraço!
Olha, dado tua qualidade como estudante de filosofia e tua sensibilidade refinada para tratar de e com humanos - e talvez este seja o grande problema, padrões elevados ligados a uma boa capacidade de observação leva facilmente à frustração; se eu estiver certo, tua animosidade contra o mundo é uma das revoltas mais nobres que se podem expressar - realmente fizestes a escolha errada. Você faz falta numa sala de aula, talvez não no Universitário, mas na Restinga com certeza.
Agora, dado o tamanho da responsa e considerando bem a estrutura que temos na educação no país, fizestes a escolha mais correta da tua vida. Tirando o ensino nos nichos universitários, enfrentar uma escola é estar 100 por cento ou não estar. Vai ou racha. Resolve ou fica louco. Ou melhor, mesmo resolvendo fica-se louco. Quisera eu ser professor na Finlândia, e aí seria menos insano.
Então a mensagem só pode ser uma: seja um diplomata fodão. para ser só mais um, é jogar teu potencial fora (sei que o problema agora é justamente conseguir ser mais um, mas enfim, confio que vais conseguir). Se não puder resolver uma ou duas guerras durante a vida, libertar um ou outro país, fuder a prática de comércio ilegal de países sacanas europeus ou norte americanos, enfim, fazer algo grande, tem lugar pra ti nas salas de aula. Te coloco como dever, velho. Tua postura perante a vida é conhecida demais por mim para te aceitar como mero coadjuvante em um mundo com tanta gente tosca falando e agindo.
abraços
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