Enternecido coração aos olhos verdes do mar, a sereia que encanta Lua sussurra em seu cantar "marinheiro, não vá longe, é perto o meu morar! se ficas nada prometo, se vais, não podes voltar". Coração do marinheiro se bota a balançar, não sabe se pelo canto ou pelo barco a navegar. A sina de marinheiro é vontade de atracar, estando em terra distante, deseja o que não há. Mas quando atraca o marujo e seus causos passa a contar, não demora, sente no peito o sol e vento a chamar. Não se sabe se a sereia é daqui ou acolá, pois conta suas histórias dum modo de não lembrar. Incautos talvez duvidem "é o velho a imaginar!", mesmo o velho talvez não saiba se é sereia ou o luar que toca seu coração quando se põe a cantar nas noites mais solitárias, estrelas a escutar, perdido na imensidão, ele e esse coração, fazem do mar o seu lar.
Navegar no óbvio é para acomodados, tolos ou covardes. Há quem perceba que há mais, mas se acomoda no lugar comum, pois não sabem, ou não querem, caminhar pelos caminhos tortuosos do perguntar-se; há aqueles que nem percebem onde estão, e ali se debatem chamando de felicidade os momentos fugazes que um mundo opressor lhes impõe; e há aqueles para quem a consciência de seu ser reflexivo, pensante, e suas responsabilidades para com a humanidade que lhes modela, geram medo, e estes se acovardam buscando utopismos e sonhos estáticos que lhes garantam alguma dose de alívio.
Aos primeiros e aos segundos, um bom professor talvez seja remédio. Aos terceiros, minha mais profunda solidariedade, e um ombro ofertado para que combatamos juntos o bom combate, nos apoiemos mutuamente e sigamos, buscando compreender e transformar a realidade. Um convite para fazermos do medo coragem. E uma compreensão sincera caso não puderem. Vocês são jovens. O mundo não deveria pesar tanto assim.
Mas o que nos resta, humanos que somos? Humanizarmo-nos, humanizar ao mundo, o que mais faria sentido? Não há sentido fora disso, infelizmente. Somente a doce sensação de não ser da alienação que nos vendem, que vos vende a educação que lhes oferecem. Mas aí seria não humano. Animal, zumbi, peça, talvez.
A relação entre aluno e professor seria como numa orquestra entre músicos e maestro. Quem produz a música? São os músicos, se me permitem leigo opinar. Mas há o maestro, e ele os guia, coordena as partes para um todo, insere-os num movimento coletivo. Ao professor cabe não filosofar, mas ensinar a. Obviamente que, ensinando, filosofa, assim como do maestro também se aponta causalidade ao fim do concerto. Mas seu foco não está em si, está no outro. Em guiar cada um dentro das suas potencialidades, perspectivas, crenças e coração (pois há mais numa sala de aula do que a vã racionalidade dos teóricos da torre de marfim, muitos transvestidos em bom mocismo barato e vão). O violonista sabe exatamente que, dentre tantos movimentos, há aquele que é para ele, somente para ele, ainda que outros tantos estejam ao lado. O aluno deve saber que seu professor está ali por ele, assim como por todos, mas levando em conta sua subjetividade. Não é o mesmo o que sente o violinista A e o violinista B com o mesmo movimento. Não é o mesmo o que pensa o aluno A ou o B com a reflexão proposta. Mas é neles e por eles que nasce a música, em todo caso. E, em todo caso, é no aluno que se desperta o filosofar, por eles e para eles.
Mas ainda resta uma tarefa ao maestro professor: ligar aquela subjetividade que cria às outras que a circundam. Fazer da nota do violino uma fala num diálogo rico com os instrumentos que ali se encontram. Fazer com que seu aluno compartilhe, como a flor que nasceu no asfalto, seu pensamento, e aí está o outro, e aí está toda a beleza. O músico notará que se nutre da orquestra, o aluno que se nutre da sala de aula. Que nem seu fazer nasceu somente nele mesmo, tampouco que se resume, ao se tornar ato, num movimento para dentro. É no mundo e para o mundo que se faz uma música; se formos bondosos, no mundo e para o mundo é que se filosofa. É isto, professor, o teu fazer? Desperta a consciência de si e do outro em teu aluno? Ou se contenta em parecer algo, talvez culto, talvez respeitável? Com sorte, quem sabe um bom rapaz?
Ao fim, talvez a objetividade seja alcançada, talvez não. Talvez alguém se aprofunde tanto que o diálogo com os grandes filósofos (e músicos!), seja necessário. Talvez daquelas feias flores nascidas brote uma frondosa árvore, enraizando fundo, sombreando quem lhes procura, destruindo o senso comum preto, sólido e eloquente que a cercava. Talvez não. Talvez seja somente uma pequena flor, um sopro de filosofia na vida de alguém que more somente numa lembrança.
Ao professor não cabe ler o futuro. Cabe não desistir. Ser professor é parar no asfalto, como Drummond, e, com os pulmões cheios, cantar loas àquelas florzinhas. Há um mundo onde isto basta. Faço parte dele. Deixo os títulos e as pompas para quem é necessitado. Meus olhos se voltam ao meu jardim, a essa aleatória confusão entre músicas e flores, pessoinhas que acreditam no que digo a elas, a quem professo minha fé no ser humano. A elas minha mais sincera humildade em reconhecer meu não saber, minhas dúvidas e construção. Uma humildade radical, que ataca meus próprios pressupostos e me indica tão claramente meus limites, e que exponho em cada pergunta que lhes faço, cada gesto com que as acarinho.
É possível ser professor de outra forma? Há quem diga que sim. Eu digo que há muitas máscaras no mercado, cada um veste a que convém. A minhã é a não máscara, aquela da filosofia, a que questiona e questiona e questiona, ao mundo e a si. Não é fácil, aceito de coração quem quiser me fazer companhia nessa joça toda, pode ser um caminho muito solitário. Àqueles que desistem, no entanto, nada resta de mim que lhes possa dar. O jardim é grande demais, o asfalto é sufocante e sempre lhe ameaça, o professor músico jardineiro tem o suficiente o que fazer para perder tempo com a mediocridade do parecer ser.
Papai decide desligar as canções de ninar do celular pois Felipe, emulando uma conversa ao pé do ouvido com o outro lado da linha, nanando não está. Papai então puxa o repertório que conhece, e torna o momento mais pessoal entre os dois. Papai canta, ao mesmo tempo em que os dois olhinhos meio abertos, meio fechados, estão focados em seu rosto. Momento lindo, ainda que cantando sinta dois dedos indicadores irem desde os globos oculares e nariz para dentro da boca, numa verdadeira saga bucal de aperta puxa estica. Papai morde os pequenos dedos para ver se desmotiva a cria, que, por sua vez, ri. Game over, papai perde o jogo. Felipe dorme, depois de meia hora. O sono dos vencedores. :D
O Sol de Porto Alegre é o mesmo Sol que lá? Óbvio que sim, Marco, como seria outro? Acaso o Sol muda de acordo com quem vê? Pretensão do sujeito, como se fosse centro do mundo! No máximo, se admite-se que há perspectivas diferentes, ou que a mancha solar que não vemos aqui tampouco é a mancha que não vemos acolá. O que? Sente o Sol diferente? Agora é Marco sensitivo? Que raios tem a ver o Sol com teus sentimentos? Santa paciência, Marco Aurélio! Que você ache que emana um pseudo calor, e alegue daí uma suposta relação entre felicidade e temperatura, não faz com que o real se molde a esses teus achares. Em suma, o Sol nada tem a ver contigo! Hã!? Sim, claro que ele alaranja ao se pôr! - não se nega que seja belo o processo, inclusive. Mas não!, o laranja do Sol nada tem a ver com o teu coração! As outras cores? Amarelão alegria? Vermelho coração?! E coração por acaso é cor?! Você bebeu, só pode!
Eu o quê? Deveria imaginar mais? Já imagino, imagino pra cacete. Neste momento, por exemplo, imagino que você está fora de si. Drogas, eles falam. Triste, isso. O quê? Dentro de si? Muito? Sei. Sei, mas não confio. Te conheço. Confia? Tá cheio de si, né. Aí fica nessa de falar sobre o Sol. Confia... sei.
Olha a estrada, moleque! Para de querer poetisar o mundo! Só sente.
Ontem, na Feira do Livro, o quadro atual do país: milhares de pessoas celebrando a cultura, dividindo espaços e sorrisos, podendo aproveitar uma festa que é a cara de Porto Alegre depois de 3 anos difíceis...
Enquanto isso, a uns 300 metros dali, uma centena de gatos pingados gritando palavra de ordem, com faixas, em delírio coletivo, numa realidade alternativa. Fiquei com dó. Elas entraram tão fortemente nessa bolha que aceitar a realidade não é uma opção, seria aceitar que elas erraram.
Erraram por apoiar 4 anos um candidato a genocida, que fez piada com gente morrendo com falta de ar, que estupraria uma mulher (se ela merecesse), que bateria em filho gay, que pesa gente negra em arrobas, que faz apologia à tortura...
Que, fechando os olhos para todas as atrocidades que este homem defendeu durante a vida, decidiram fechar os olhos para as rachadinhas, as casas compradas com dinheiro vivo, a relação com as milícias - como se nada disso fosse corrupção.
Para justificar o erro, aceitaram a versão de que o adversário é "comunista", o cara que deixou 300 bi de dólares em caixa, superávits primários um atrás do outro, inflação controlada e desemprego baixo.
Repetem que é "ladrão", e ignoram que foi acusado e julgado por um procurador e juiz que viraram políticos e nunca foram imparciais.
Vocês perderam. Perderam porque 60 milhões de brasileiros quiseram assim. Porque gente que tem fome não compra camisa verde e amarela. Porque quem perdeu um parente doente talvez esperasse uma vacina com 6 meses de antecedência, não piadas.
Passei 4 anos tentando digerir o que a esquerda fez de errado para que perdesse a eleição em 2018. Olhamos para dentro, pois sabíamos que seriam 4 anos e teríamos que aceitar.
O fato de não fazerem o mesmo só confirma as suspeitas levantadas: são fascistóides que pouco se importam com a democracia ou com quem pensa diferente, que não tão nem aí se tem 33 milhões com fome. Gostaria de estar errado. Mas não estou.
Vocês, nesse mundinho paralelo de golpismo, são escrotos pra caralho.
Eu, já escorado de qualquer jeito na cadeira depois de duas horas lendo redações, os observo. Os ouço num misto de gritos, chamados, risadas e confissões. Tudo se traduz num grande murmúrio que, por vezes, se confunde com uma carinha ou outra conhecida passando em frente à janela onde me permito me escorar. Na mesa em L, um computador no qual escrevo este texto fazendo peso para que não voem por aí as redações que corrijo, um amontoado de linhas e almas que se colocam ali, esperando meu olhar. Eles xingam também; e como xingam! Depois começam outro corre corre para pegar um ao outro, e mais gritos e gargalhadas se espalham no ar, preenchendo o mundo. Essa brisa fria, este Sol de inverno, estas crianças que na inocência brincam como se fosse o último minuto de suas vidas! São só quinze minutos, o recreio. Mas, aqui e agora, parece uma felicidade daquelas sem fim.
"... a violência, para mim, é isso, ignorância..."
Reflexões (pescadas no meio de tantas outras) dos meus alunos de nono ano. Eles tem o que dizer. Talvez a escola é que não saiba ouvi-los, com seus intermináveis currículos e a eterna busca por não sentidos.
Da minha parte, devolvo, nas redações, alguns apontamentos chatos de professor de filosofia: mas o que é "justiça"? O "não saber" justifica toda violência?
Nessas horas, em especial, neste diálogo com eles... acho um dos motivos de ter feito uma licenciatura. Fácil não é. O mundo joga contra. Mas ninguém me tira a riqueza desta relação.
"Amanhã, quando eu acordar, vou ter 7 anos!”, falou um pouco antes de adormecer. O dia foi em casa, chovendo, com papai, videogame, Palmeiras, pipoca e pizza. A ansiedade evidente pelo “amanhã” não veio de agora, foram dois anos sem festas, amiguinhos, bolos e brincadeiras. Teve papai e mamãe, sempre, e família, e amigos, no limite da pessoalidade que uma câmera permite. Mas faltou “a festa!”. Eu, na condição de ter sido já criança, lembro o quão especial era o meu dia, ainda que, por sorte ou azar, houvesse sempre outro motivo para as pessoas se juntarem - nascer na virada de ano dá nisso. Não houve corona vírus para mim, e todo ano tive um bolo e as pessoas que amo ao lado. Então é natural que ele falasse sobre seus sete anos há tantos meses. Quem chamaria, como seria. Ainda mais que, melhorado o quadro geral da pandemia, começaram a retornar as festinhas dos amigos. “Os meninos de máscara”, poderíamos chamar o bando.
“Quem é o menino que já tem sete anos?!”, perguntei ao acordá-lo hoje pela manhã com um beijo naquele bochechão. Ele, de forma dengosa, virou-se para dormir mais um pouco, achando que papai não perceberia o riso contido que tentava evitar. Sim, ele já estava acordado. E me ouvia muito bem. Me debrucei sobre ele para dar outro beijo, e, por 5 segundos, parei para olhar aquele dengo de olhos fechados e sorriso escondido, dorminhoco que fingia ser. Em cinco segundos, a ternura do meu olhar somente refletia aquela alma doce e ingênua, que me chama por “papai!”, faz palhaçadas, prega sustos e contra-argumenta tão bem. Aquele serzinho da gargalhada mais encantadora que já conheci. Aquela alma que, por Deus!, se espelha tanto em mim, que quer ser o papai um dia, e que me faz cumprir fielmente minha busca por ser um Marco melhor. Tenho certeza que será mais do que Marco. Será Felipe, meu Felipe. E, apesar de saber que o mundo é doloroso, e que não haverá maneira de lhe proteger de tudo, ainda sim estarei lá, para quando precisar. É assim que me ensinaram a ser. É assim que lhe ensinarei.